
...é alguém que se dedica a pássaros porque, antes do mais, eles atiçam a imaginação; alguém que fica fascinado porque, de entre todas as criaturas, são eles que mais se assemelham a espíritos puros...Basta recordar que o Regulus regulus, com o seu estômago do tamanho de um feijãozito, paira por cima do Mar do Norte! E o Calidris feruginea, que procria tão a norte, tão a norte que só três pessoas jamais viram o seu ninho, passa férias na Tasmânia! (J.D. Salinger, Seymour-an introduction, The New Yorker, June 6, 1959).
E que são os (as) Lusíadas? "...um pregão do ninho meu paterno". Pássaro que apregoa com os seus cantos escritos. Talvez na mítica língua de pássaros. Há mesmo uma Conferência de Pássaros, de 1177, de Farid Ud-din Attar. Trata de uma Poupa que conduz um séquito de mais 29 aves ao encontro do Simorg, uma mítica Fénix, na remota China. É um poema de sabedoria sufi, em persa. O curioso é que tudo se resume a um duplo sentido pois Si-Morg, em persa, além do nome do mítico pássaro, quer dizer igualmente 30 pássaros. Começa assim:
- Foi na China, numa noite sem Lua
- Que o Simorg foi entrevisto por olho humano
- Deixou uma pena a flutuar
- E o rumor da sua fama chegou a todo o lugar [1]
E a destacar de entre os 4500 versos
- Venham Mónadas perdidas unir-se ao Centro
- Para ser o espelho eterno que já viram:
- Raios que se projectaram por toda escuridão
- Regressem e agora no seu Sol sosseguem
Lisboa, com os seus corvos à proa e popa da barca-brasão, conhecidos por vicentes e tão eloquentes, há-de ser bom tema de observação. Se voamos até à mitologia nórdica, a pátria dos contos de fadas, damos com dois corvos Hugin e Munin, um que relata memórias e outro que enuncia pensamentos, coadjuvando Odin, também ele zarolho de um olho. Ao descer na cidade do fado aventamos que o Vicente da frente conte memórias e o de traz revolva pensamentos. O que é bom quando a bandeira no tope alto recebe forte vento contra e as velas estão por abrir. A barca dos corvos será, talvez, a Nau Catrineta, que tem muito que contar, e por isso se atracou às pedras trabalhadas de Lisboa.
E ora lá vai mais uma de "língua dos pássaros" que aconteceu agora mesmo, ao rever: reparem em Seymour e Simorg. Parecido, não? E Seymour em inglês soa como "see more", ou "ver mais", em português. Mesmo que com um olho só, ou talvez até por isso, o observador de pássaros que não desista.
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