segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Podre e Poder


É podre! Uma exclamação depreciativa que entrou recentemente no linguajar urbano português. Antes o podre só entrava em expressões faladas com o chavão "podre de rico". Este novo "É podre" surge num rol de novidades a par de "É um cromo", "É seca!", "É uma seca" e mais um conjunto lexical que mete às vezes expressões do inglês como "Man!", e mais...

"Podre" e "poder" têm a curiosa partuclaridade de serem anagramáticas, as mesmas letras distribuídas de maneira diferente. Em som temos "Pô" numa e "Pu", na outra, e "dre"/"der". Quase apetece fazer um exercício de trocadilho e inventar o "Pudre", ou o Pôder".

É célebre e já um lugar comum uma frase que surge pela primeira vez escrita por Lord Acton em inglês, "Power tends to corrupt, and absolute power corrupts absolutely" em carta de Abril de 1897. Em português e com podre, dava: "O poder tende a ser podre e o poder absoluto a ser absolutamente podre". A corrupção é o processo que conduz ao apodrecimento, ao estado de podre. A legitimação desta frase em português provém da expressão já referida e homologada "ser podre de rico".

Claro que se entende o "podre" aqui como uma aumentativo, podre em vez de "muito, muito". Mas muito mais lógico seria dizer "podre de pobre", e ninguém diz. Há até os "podres", que são os defeitos, os vícios, especialmente os imaterais, espirituais. A riqueza seria assim o factor de podre, quanto maior seja. Mas também se aceita bem escrever sobre "os podres do poder". Se essa de Queiroz num comentário à carta Lord Acton, um seu contemporâneo, usasse essa expressão ninguém levava a mal.

Que a riqueza absoluta dê em podre, parece provável. O Poder absoluto, ainda que possa inventar riquezas, ou adquire-las, também destrói muito, riquezas e não só. Qual é o balanço entre o que o poder cria e destrói, entre o saudável e o podre em termos de poder? Vale a pena assim desbravar os anagramas de podre e poder, nas letras, e jogar com as sílabas, para tentar erguer pela ponta um véu que só no português se usa e vai usando ao correr da fala.

1 comentário:

  1. Olá!
    V.
    Estou desta banda. Vou lendo aos poucos. Ainda acho que "enredas": tens mais para dizer do que aquilo que dizes, e escreves mais do que aquilo que estás a dizer. Faço-me entender? Não.
    Síntese, dizia eu aos meus fulanos.É um bocado isso. Depois completo.
    Abração.
    Clara.
    Clara.

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