quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Bambochada















O que me intriga é o percurso desta palavra italiana derivada de uma escola de pintura do sec. XVII, que chega ao português, a blogs, à actualidade. Criei mesmo um neologismo há tempos, bambocha. E invento agora outro, nem sei se a propósito, bambochatice. Bambochata! Um poeta amigo, surrealista empregava-a com a conotação depreciativa que tem hoje.

Provém da alcunha romana de um pintor flamengo, Pieter von Laer, século XVII, que alcunharam de Bamboccio, achavam-no um bonequito, um bonifrate, uma espécie de fantoche. E pintava coisas, de certa maneira no estilo de Caravagio, mas os temas eram o mero dia a dia, a vida das ruas, os tráfegos. Bambochatas. Mas como teve compradores, vieram outros fazer parecido, flamengos e depois de mais partes. Os Bamboccianti tornaram-se escola, e figuram nos museus, colecções, leilões.

Fantochada, é o sentido corrente da nossa bambochata ou bambochada. Recentemente entrou em circulação, mais uma voltinha agora, já no novo milénio e nas novas tecnologias de informação, em blogs eleitorais, a par de tranquibérnia, trafulhice e mais.

E deparei com tudo isto, mas o propósito da pesquisa era outro. Queria encontrar paralelos flamengos para os painéis de Nuno Gonçalves. Trata-se também de um caso que atravessa séculos, desde meados do XIX, mas em forma de polémica, com fatalidades até pelo caminho. Aparentemente há no próprio conjunto pictórico elementos enigmáticos. Mas há outros claramente patentes: surgem duas figuras geminadas, em dois grandes painéis, quatro painéis mais pequenos, dois livros abertos, um no evangelho de S.João cap. XIV, e dois fechados debaixo de dois braços esquerdos. E todas as figuras são retratadas, não apenas figurantes. A polémica em sucessivas vagas e gerações parece surgir porque cada analista apanha um ou mais sugestivos aspecto, agiganta-o, e tenta resolver tudo de uma vez e de uma vez para sempre. E imediatamente sobre ele convergem facilmente os amantes de contraditar, que têm sempre muito por onde pegar. Mas o tempo também foi trazendo algum progressos, poucos, no elenco de elementos a considerar. E destes há uma hierarquia a fazer, definindo quais são os mais importantes, sejam eles patentes, enigmáticos ou em dúvida.

A Dendocronologia, a datação pela análise dos anéis do tronco das árvores, uma ciência do século XX iniciada pelo americano Douglass, aplicada às tábuas dos painéis, coloca a pintura entre 1440 e 1450. Desta época é a outra imagem, onde surge Filipe, o Bom, a receber uma crónica, exibindo, ele e outros, a ordem do Tosão de Oiro, de fresca data constituída. O tratamento pictórico parece ter um parentesco com os painéis, embora se trate de um evento de corte, sendo cada um dos presentes retratado.

E ai estão dois auto-retratos do Bamboccio, que desencadeou esta embrulhada ao fazer escola por Roma. Um deles com mágica e música.

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