terça-feira, 18 de agosto de 2009

Sob um olho bem aberto

eyes wide shut. Estou a referir-me a um item de atenção destes últimos dias, semanas e que ontem teve um epicentro com uma intensa busca de esclarecer os mistérios do derradeiro filme de Stanley Kubrick. Desde logo a "cut" diz-se que não foi a cabada pelo realizador, outros dizem que não chegou a concluir e depois parece que há várias versões a circular. Anos depois, com nets, piratas, países, línguas é uma babilónia de olhos bem fechados.

Um ponto serviu para ontem indagar. Aquele cântico do ritual, que me pareceu ser uma gravação passada de trás para diante. E será, de um cântico ortodoxo romeno. Há outros elementos hindus, mais adiante, que suscitaram protestos, e que terão ou não sido substituídos.

De imediato se nota um filme que se passa na quadra do natal. Uma quadra de dias que vai desde meados de Dezembro ao no Novo. No hemisfério Norte o sol parece nascer sempre no mesmo ponto, a sul do leste., e permanece no seu ponto mais baixo ao meio-dia. É o estacionar do Sol na mais baixa posição. Os romanos celebravam as saturnálias, a astrologia consagra a segunda metade do período a saturno, o deus romano do tempo, da idade avançada, da sabedoria. E janus, um deus com duas cabeças ainda hoje é por nós celebrado no dia a dia quando chega JANEIRO, ou quando se abre uma JANELA. Janeiro é um mês de balanços, olhando para trás, mas onde se formulam piedosos votos e esperanças para o ano em frente. À janela, que não seja de guilhotina, claro, como ainda acontece em Lisboa nos bairros antigos, as janelas tem duas portadas e olha-se delas para rua cima e para rua abaixo.

Nova Iorque, é natal, há um casal e uma filha ainda na infância. Para o casal foram selecionadas as estrelas com maior poder de identificação entre o público consumidor de cinema e vídeo. O casal médio, profissional, já em pleno curso de rotina afectiva, com a criação da filha única em andamento e fase a passar para crítica, é o momento de aderirem ao apelo da sociedade ambiente, indo em traje de cerimónia a uma festa. E aí ele e ela têm experiências diferentes, que cada um por seu lado se vão inesperadamente prolongar e diversificar para o dia seguinte, o dia de fazer as grandes compras do Natal, com todos os ingredientes de quem tem uma filha pequena.

Uma noite, um dia, outra noite e o dia das compras. Na quadra de saturno do ano de César, reformado e etiquetado de gregoriano, apenas para acertos de contas astronómicas, mas nada alterado enquanto a nomes, que permanecem os romanos, com a alteração de César, que lá se meteu com o seu nome de gens, Júlio e Augusto, com o seu título imperial. A deixar rasto na parte mais quente e leonina do calendário. Que agora serve de referência ao mundo globalizado e sincronizado por redes de comunicação 24 sobre 24 horas. Sobrepondo-se a todos os demais calendários que, regra geral, são de natureza lunar.

Este normal casal diurno em Nova Iorque - Torres Gémeas, das UN, Wall Street, do Projecto manhatan, arranha céus e elevadores e metros, das limosines, New York New York, por toda a parte em espectáculo diferido, aclamado, repetido - mergulha com naturalidade numa noite desta quadra. E o casal literalmente desacasala-se. Cada um deles passa a viver uma experiência de fundo sexual própria, o que abala os fundamentos do casal com a sua componente de reprodução e conservação de uma espécie, de uma família, de uma classe, do social diurno.

O que se revela no filme é que o natural caos do submundo sexual de cada um por si é afinal sujeito a um mundo oculto, altamente ritualizado, que conflui de forma elusiva de mansão em mansão, e em que intervenientes e oficiantes se encontram sob máscaras de carnaval de Veneza. E neste ponto ambos os componentes do casal confluem de novo: ele porque vive uma realidade que parece um sonho ou pesadelo; ela porque vive um sonho/pesadelo que parece real.

E no dia das compras de Natal, para além delas, ela propõe que se FUCK (Fornication Under Consent of the King)...

E se houver mais, depois, um dia, reportarei...

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